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Ano novo, vagina de 33 metros e “tretas” de redes sociais

É o primeiro dia do ano de 2021 e eu, blogueira de outro mundo, resolvi voltar para escrever sobre o que leio e vejo sobre sexo, sexualidade e cultura na rede.

Depois de muitos anos, é hora de voltar a blogar!
“Sério, mas como assim? O blog não morreu?”

Meus amores, muita gente e muita coisa morreu, principalmente em 2020, mas em 2021 teremos que superar todos os diagnósticos de mortes anunciadas. Aliás, pelo que pude perceber lendo as primeiras “notícias” do ano, chegamos em 2021 com os mesmos velhos e antigos preconceitos e ignorâncias sobre sexo e cultura, isso aqui está uma grande confusão sobre mais uma pá de coisas que reviram a cabeça e o coração dos comentadores de redes sociais. Vide o “debate” sobre a obra Land art, intitulada Diva, da artista visual Juliana Notari.

Longe de mim querer tomar parte na treta, o que me interessa são as muitas leituras que a obra de arte provocou após a postagem feita pela própria artista em seu instagram.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

Quando vemos o debate em torno de sua postagem, quais são os efeitos dessa publicação? O que muda? Eu diria que muda tudo, porque aí entra n´importe quoi! É tudo e é nada ao mesmo tempo! E esse é um efeito das tretas militantes nas redes sociais.

Um rápido rolê pelos comentários e veremos que eles oscilam entre pseudos críticas de arte, julgamentos pessoais sobre a artista, ofensas, achismos, mas também apontam para problematizações que dão continuidade a vários outros “diálogos” já em andamento. Cada um deles vai estabelecer destinos vários para os efeitos de sentidos que aparecem ora como “treta” ora como “cancelamentos”.  Nesse caso específico, embora muitos tomem uma coisa pela outra, não se trata de um tour solitário pela Usina de Arte e o impacto que teria se fosse uma visita in loco. Isso parece óbvio, mas acreditem, não é. Do mesmo modo, os comentários sobre a obra no Instagram produzem efeitos muito diferentes daqueles que circulam no Twitter.

Quando falamos de comentários sobre obras de arte nas redes sociais não podemos esquecer que aqui se trata muito mais de um “diálogo” dos usuários (que nesse caso é muito mais sobre como as pessoas se posicionam diante da postagem da artista) do que um debate sobre a proposta artística em si. É porque esquecemos disso que começa a “confusão” e nascem 90% das “tretas”.

Vejamos como é fácil localizar algumas dessas outras tretas já lá nas redes sociais, retomando o caso de alguns tweets. De um lado, encontramos comentários que vêem a obra como um “culto da vagina”, como podemos observar pelo tweet de @oldlaace, que escreveu Eu gostaria de entender o que ela quis representar. Porque mulher não é e nunca foi uma vagina. Uma pena nos compararmos ao falocentrismo masculino”. Ou no tweet de @arielfhitz: “A MULHER FEZ UMA BUCETA GIGANTE COMO ARTE FEMINISTA VAI SE FUDEKKKKKKKKKKKKK BAGULHO GENITALISTA DA PORRA”.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

De outro lado, temos outra treta em andamento nessa “conversa global” do Twitter, que remete (e às vezes confunde pra caramba) para pautas sobre racismo e negritude. Ela aparece aqui em tweets como o de @arielfhitz, que também comentou sobre isso dizendo, meu deus pq elas não cansam de fazer buceta como arte como se isso fosse o auge da representação feminina além de que nem chamou mulher pra fazer o bagulho??? TIPO”. Ou, ainda, no tweet de @andrezadelgado que, em resposta ao post de @arielfhitz, escreve que “O mais doido disso é a mão de obra masculina e negra para obra de arte! Minha indicação é uma leitura de raça e classe da Ângela Davis que ela vai da o diagnóstico desse tipo de “”feminismo””.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

Não faltou, claro, opinião sobre o meio ambiente, já que a proposta da artista era “problematizar a relação entre natureza e cultura”. Em resposta à postagem de @arielfhtiz, também encontramos o seguinte tweet, de @TheOngoingFlop, chamando a atenção para a questão ambiental ao dizer que “O geógrafo q mora em mim só consegue pensar q ela criou uma voçoroca q vai degradar todo o solo daquela face do morro onde a bct tá… além das problematizações já feitas, consciência ambiental tbm passou longe”, ou de @aluizaalana que escreve: Fiquei curiosa pra ver os projetos da estrutura e da movimentação de terra desse trem, tem um engenheiro responsável né…”

Se querem saber de que lado EU fico nessas tretas todas, já vou logo dizendo que o meu objetivo nunca foi virar “influenciadora” de nada. Como boa problematizadora que sempre preferi ser, eu fico mesmo do lado das tretas.  E sabe quando vamos sair dessa enorme e estranha espiral que tem o efeito de tretas infinitas? Vai demorar, eu acho! Sabe por quê? Porque ao contrário do que prega o senso comum não são apenas tretas, nem apenas mimimi, nem diálogos de fadas sensatas, muito menos pura comunicação. No meio disso tudo temos disputas, lutas, discursos contraditórios, algoritmos, manipulações do cotidiano e muito coisa que empata nossas fodas.

É isso aí, bebês, a coisa é muito mais paradoxal do que os sentidos possíveis para essa land art de super vagina que agita as tretas no momento!

Todas essas leituras sobre sexo e sexualidade, sobre arte e cultura são complexas e exigem de nós muito mais que escolher o “nosso” lado da treta, exigem de nós muito mais que retweets, exigem de nós muito mais que repetições de argumentos. Exigem interpretação, exigem compreensão dessas diversas e heterogêneas posições. Feministas, machistas, transexuais, homofóbicos, vaginofóbicos, falocentrismos, feminazis, ambientalistas…

Confesso que em 2014 eu parei de blogar porque na época eu notei que cresciam os movimentos militantes e que era preciso rever meus posicionamentos. Eu os achava ruins? Muito pelo contrário! Eu vi que o mundo do sexo e da sexualidade estava mudando e achei prudente não entrar naquela “ordem arriscada dos discursos”, principalmente quando se tratava de sexo, sexualidade e cultura. Era receio de acabar, por incompreensão do que tava rolando, fazendo o contrário do que era meu propósito, já que eu começava a entender que muitas vezes eu estava reforçando pré-conceitos sobre o mundo do sexo e da pornografia e que era preciso entender melhor o que se anunciava com toda a sua veia contestatória e críticas sobre a indústria pornô e sua face opressora. Eu, uma mulher cis, branca, hétero, do universo acadêmico, tinha muito a aprender antes de continuar a falar.

Confesso também que tinha algo do pertencimento, aquele apego a uma certa blogosfera erótica que era famosinha e da qual esse blog fez parte. A blogosfera que viu nascer o assédio dos “recebidos”, que foi engolida pelos vlogers, influencers e etc… afinal era preciso aceitar entrar na ordem daquele mundo que parecia muito chato e broxante, que exigia que tudo girasse em torno de hashtags e polêmicas de redes sociais, essa coisa mercadológica que pedia que saíssemos de nosso anonimato, que tapássemos nossas bundas para melhor verem nossas caras. Coisa de gente que não trepa, coisa de gente que não lê, gente cansativa e tediosa! A “minha blogosfera sumiu”, foi o tema do post anterior a este, escrito em 2014, aliás. Muito justo, mas muito inútil também, estrategicamente falando.

Mas entendo hoje que 2021 vai exigir dos sobreviventes novos e velhos sujeitos falando de sexo, sexualidade e cultura. Sujeitos (re)nascidos dos últimos 10 anos de debate sobre tudo na Internet, sujeitos que agora têm que lidar com o que a internet se tornou quando nós abandonamos a blogosfera diversa e ativa, dona de seus próprios domínios e redes de seguidores.

É para defender a imprecisão e a complexidade das coisas para além das “tretas” que eu, como diz a gloriosa blogueirinha do fim do mundo,  “Volteiiii!”, porque o Brasil, a blogosfera heterogênea e livre (apagada pelas redes sociais proprietárias e suas bolhas digitais), a superficialidade dos muitos perfis e sites sobre sexo, cultura, sexualidade e pornografia, vão precisar de mais zilhões de “blogueirinhas do fim do mundo!”

E, se o nosso mundo vai acabar enquanto a gente “treta” nas redes sociais e faz dancinha em tik toks e reels, que assim seja! Mas eu, tendo atravessado diferentes momentos históricos na blogosfera (clique aqui para ler o primeiro post deste blog), aposto que todas essas coisas acabam muito antes. É também uma forma de crença naquele conceito antigo de que a terra não é plana e, por isso, ela dá voltas!

Por isso, a partir de hoje, volto a assumir o perfil da Júlia Tenório, uma blogueira de sexo mais ou menos inventada, que vai escrever e falar sobre seu modo de ler telas/espelhos/perfis e refletir sobre tabus, hipocrisias e contradições entre sexo(s), sexualidade(s) e cultura(s).

Navegar é preciso, tretar não é preciso, trepar e sobreviver em 2021 será fundamental!

Bem-vindo de volta, se você é leitor das antigas.

Bem-vindo, se você acabou de chegar!

Prometo um post por semana (ou menos, ou mais, ou não).

Referências:
#03 O blog realmente morreu? | com Jana Rosa (O podcast com Paulo Cuenca e Dani Noce)

2020: O fim do Blog (Artigo de Henrique Carvalho, do Viver de Blog)

Diva (Postagem de Juliana Notari, Instagram)

A ordem do discurso (Michel Foucault)

Blogueirinha do fim do mundo (Maria Bopp)

A Paris de Beauvoir e a Paris da #Manifpourtous: a luta pela liberdade continua

Como visitar Paris e não se lembrar de Simone de Beauvoir? Sobretudo ao passar pelos famosos cafés onde ela e Sartre passaram boa parte de suas vidas e que hoje são pontos turísticos obrigatórios para quem visita a cidade dos intelectuais.

Beauvoir e Sartre foram protagonistas de uma história amorosa bastante singular. Se diz muito por aí que eles estavam “à frente de seu tempo”. Expressão curiosa porque pressupõe que os tempos atuais seriam “mais evoluídos” e mais adequados para os relacionamentos “à la Sartre e Beauvoir”.

A escritora enfrentou muita resistência para assumir sua vida pessoal publicamente, expondo seus motivos e escolhas para não se casar, para não ser mãe, para ter um relacionamento aberto com Sartre, para sair com mulheres, enfim, para seguir um estilo de vida diferente da grande parte das mulheres de seu tempo, mas parece que sua maior dificuldade de fato foi ser uma escritora mulher em um mundo machista. Segundo a própria Beauvoir no documentário sobre sua vida, “Na França, quando se escreve e se é mulher, é o mesmo que entregar um pau para vos baterem.”

Hoje, Simone de Beauvoir é considerada uma das grandes escritoras francesas, com direito inclusive a uma ponte com seu nome, a Passerelle Simone de Beauvoir, que liga o 12º Arrondisement à Biblioteca Nacional da França. Nada mal para uma escritora cuja vida política foi marcada pelos ataques que sofreu por ser justamente uma mulher escritora.

No entanto, sabemos que a história não é algo que caminha a passos largos na direção do progresso e da libertação sexual. A vida social é complexa e a França dos dias atuais  encontra ainda pontos de resistência de pautas que defendam a liberdade sexual de homens e mulheres.

Um exemplo disso foram as recentes manifestações francesas, ocasionadas pelo debate social em torno da Lei Taubira, promulgada em 2013, e que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo e também a adoção de crianças por casais homossexuais. Além de serem contrárias a essa Lei, as manifestações, conhecidas aqui por Manif Pour Tous (Manifestação para todos) e que circulam nas mídias sociais com a hashtag #Manifpourtous, são especialmente contra a  PMA – Procréation Médicalement Assistée  (Procriação Medicamental Assistida) e a GPA Gestation Pour Autrui (Gestão por outro, conhecido no Brasil como barriga de aluguel).

Segundo os organizadores da Manif Pour Tous, criada e liderada por uma militante católica francesa, não se pode de forma alguma aceitar a GPA, por exemplo, pois isso seria o mesmo que “ser cúmplice do desenvolvimento de uma nova forma de tráfico humano que conduz e reduz as mulheres a seus úteros e à exploração.” Para esse grupo de francese, a mãe de aluguel inevitavelmente “conduz à mercantilização da criança porque a criança torna-se assim um objeto de contrato”.

Polêmicas à parte, sobre a questão da barriga de aluguel existente também no Brasil, essa linha de pensamento está estreitamente ligada à ideia de que casais do mesmo sexo não só não deveriam se casar porque acabariam com as famílias e extinguiriam a humanidade (pois eles não poderiam procriar), mas sobretudo defendem que eles também não podem adotar, pois, segundo os defensores da não adoção por casais homossexuais, estaria-se assim furtando à criança o seu direito de ser filho de 1 pai e de 1 mãe. Como se muitos dos casos de crianças em fila de adoção não tivessem como responsáveis diretos o pai e a mãe biológicos, esses seres únicos e singulares, pilares da família cristã! Família esta “devidamente” representante pela logomarca da Manif Pour Tous.

Mas, nem todos os franceses estão contra a legalização de tais direitos aos casais do mesmo sexo e nem todos são contra o direito das mulheres que não podem ser mãe de encontrarem outras alternativas para seus problemas de gestação, problemas que não são, diga-se de passagem, nada simples e muitas vezes são bastante traumáticos para muitas mulheres, criadas (e ensinadas, como diria Beauvoir) para serem mães de seus próprios filhos.

Eu tive o privilégio de participar aqui em Paris, no mesmo dia em que aconteceu uma manifestação da Manif Pour Tous, de uma outra manifestação em favor das famílias, mas essa manifestação não se fechou para o sentido de família tradicional. Organizada também via mídias sociais com a hashtag #ManifPourÉgalité, essa outra manifestação chamou os franceses para protestarem por igualdade e para responderem  livremente uma única pergunta: “O que é a família para você?”

Ao contrário de uma afirmação de pré-conceitos a #ManifPourÉgalité reuniu os franceses, sobretudo as crianças, na tarefa singela de escrever seu conceito de família e pendurar em um mural estendido na Praça da République. Entre as várias definições de família, escrita por pessoas de todas as idades, podíamos ler coisas como:

“Um dia eu espero que eu possa ter um bebê com minha mulher.” , “Somos nós: duas mamães + uma pequena jovem.”, “Minha família são meus amigos”

Toda essa discussão atual sobre o direito de união, as garantias civis, a questão da adoção e os desejos de maternidade me fazem pensar na recusa de Beauvoir ao casamento e à maternidade. O que seria nos dias atuais essa instituição casamento? Coisa tão difícil de definir quanto a palavra família, com tantos belos e trágicos significados e arranjos.

Importante observar que Simone de Beauvoir não era contra o casamento ou à maternidade, nem defendia isso ou aquilo por questões morais. Ela era contra a submissão da mulher a qualquer pessoa ou instituição.  Em seu tempo o casamento era um instrumento quase certo de submissão feminina porque estava dentro de um contexto de subordinação, assim como a maternidade era praticamente um imposição, o que a levou a defender que ser mãe é uma escolha e não deveria ser uma obrigação.

A mulher , dizia a pensadora, deveria mudar a sua condição de segundo sexo. No fundo, é uma questão de igualdade (não ser contra o homem ou a algo, mas criar os instrumentos para ser livre, para se o que se é).

Mas e hoje? Como interpretar tantas mulheres e homens e jovens aderindo a uma Manif Pour Tous, em detrimento de todos, defendendo um único tipo de união, de contrato, de maternidade, mesmo quando o Estado, para atender aos pedidos desses tantos, promulga uma Lei que irá garantir que cada família se constitua livremente, que faça livremente suas escolhas, sexuais e afetivas?

Nem o mundo, nem a Paris de Beauvoir, infelizmente, estão perto de tais conquistas sem que haja ainda muita luta, porque para infelicidade da pensadora (caso ela pudesse acompanhar os protestos atuais), que esperava ver um dia seu livro sobre a condição da mulher superada, muitas de suas ideias ainda sobre a liberdade não foram se quer cogitadas por nossas sociedades. E, infelizmente, ainda podemos ver uma a criação de uma #ManifPourTous, sob a batuta de uma mulher, defender um modelo de família no qual a maternidade, por exemplo, é um direito exclusivo e inalienável de alguns privilegiados, “abençoados” talvez com a “graça divina” por serem heterossexuais e férteis.

Um dos cartazes impressos pela manifestação propositiva #ManifPourÉgalité era: “o amor ganha sempre!”. Será? Tomara!

Fotos: Julia Tenório.
Para saber mais sobre as reivindicações das duas manifestações, clique aqui.

 

 

Quem mexeu na minha blogosfera erótica?

Enquanto estou digerindo e editando as coisas que já fiz em Paris nesses quarenta e poucos dias de cidade luz, resolvi pôr em ordem as coisas aqui no blog (que está bem desatualizado, eu sei, mas a vidinha lá no Brasil esteve bem atribulada no início de 2014).

Enfim, fazendo a faxina básica por aqui, para começar a postar artigos semanais novamente (eu prometo, pero no mucho!), eu fiquei espantada ao descobrir que grande parte dos blog eróticos que eu listava e lia por aqui estão fora do ar.  Je suis désolé!

Mexeram na minha blogosfera erótica! Uns excluíram fontes bacanérrimas de inspiração, outros, como o Sexo Cult até ontem, estão há mais de um ano sem atualização. Falimos? Cansamos? Perdemos o tesão?

O fato é que a galera, super inspirada em tempos idos, simplesmente migrou para perfis de Facebook ou simplesmente não existe mais na blogosfera e etecetera. 🙁

Só me resta listar outros sites e blogs que estou descobrindo no momento, mas quero deixar aqui o registro histórico desses blogs e sites bacanérrimos que eu tinha muito prazer em linkar. Eram esses aí, ó!

É com pesar, também, que informo que o blog MetAArte – o blog do Marciano, professor que lecionava na Universidade na qual me formei, está desatualizado por conta de seu falecimento em outubro do ano passado.  Ficam para a posteridade os seus textos, pensamentos e a sua poesia!

C´est la vie!

Ninfomaníaca, Melancolia e algumas impressões

Por Maurício Beck, colaborador (eventual) do SexoCult

Confesso que não gostei nada do penúltimo filme de Lars von Trier, Melancolia, (anti)espetáculo escatológico que assisti justamente após o fim abruto de uma relação amorosa. Quando o filme acabou, o impulso que tive foi o de deixar me atropelar pelo primeiro carro que cruzasse a rua em frente ao cinema. Bueno, o que não nos mata nos torna mais estranhos. Outra, sempre tendi mais a ser nerd do que hipster. (Esses últimos, em minha opinião, fazem do consumo de produtos “independentes”, roupas retrô, músicas alternativas, filmes iranianos, etc. um capital simbólico que, supostamente, os diferencia do comum dos mortais consumidor de enlatados. Os Nerds, por outro lado, abraçam a cultura de massa, mas a historicizam de certa forma. Risco de transformação no seio dos burburinhos do cotidiano em torno da máquina reprodutiva? Talvez…).

Voltando ao filme: Melancolia, pra um leitor de Arthur C. Clarke, é uma bobagem sem tamanho em termos astrofísicos. Aquele que descobriu a órbita elíptica dos planetas que o diga. Só Žižek conseguiu redimir um pouco o filme ao pinçar uma heroína deprê que encara o fim dos tempos sem medo e viu nela uma proto-revolucionária.

Agora, de Ninfomaníaca eu gostei! Alguns críticos ressaltaram o tema da culpa em conluio com a luxúria, mas isso já havia em O Anticristo. Acho que o que vinga ali é outra coisa. Talvez seja cedo demais para interpretar a causa da teimosa culpa da protagonista, uma vez que só assisti a montagem de meio quebra-cabeça. E, quem sabe a segunda parte do filme dê uma boa razão pra essa culpa. Já que Lars von Trier parece que bebe na filosofia de Schopenhauer. A vontade causa dor, logo, melhor o nada da vontade. Aliás, é isso que vi em Melancolia, uma vontade do nada. Com uma mão de diretor excelente, é verdade, com sequências que se estendem e dão a sensação de um tempo que se arrasta, simulando uma percepção deprê do mundo.

Mas gostaria de apostar que o que esta funcionando na narrativa da ninfomaníaca é o imaginário (masculino? Cristão? Com toda axiologia bem/mal embutida) de que a sexualidade feminina, da mulher que não é simples objeto de desejo, mas deseja ela mesma, seria como a caixa de Pandora aberta. Essa narrativa feminina da vida erótica, aliás, me lembrou da cena que conta e descreve uma orgia no filme Persona, de Bergman. É considerada, por Žižek, uma das cenas mais eróticas do cinema. Não é o caso do filme de Lars Von Trier. Nele, assistimos um autodesvelamento, um estudo de caso (com n. analogias e comparações para o deleite de cinéfilos hermeneutas), uma exposição para argumentar e confirmar a auto-identidade má da personagem. Certa hora o interlocutor duvida da repetição de coincidências na história da narradora. Ela retruca dizendo que pra fruir da história, há de ser crer nela. (Eis a suspensão da descrença, pacto entre cineastas e cinéfilos, mas não só). E não é que no final dessa primeira parte, é ela como personagem que já não crê/sente o próprio enredo. Faz-se presente também ali o enredo edipiano – pai bondoso, mãe “vadia insensível”, filha que emula inconscientemente a mãe.

E, não poderia faltar!, o enlace amoroso tardio pelo deflorador, amor recusado até a morte do pai… mas eis que no último momento Lars von Trier quebra a expectativa do enredo e evita a minha decepção (ou a adia). E a primeira parte do filme termina ao som de Rammstein!

Orgasmos sinestésicos e a necessidade de significar

Sabemos que as palavras significam e a nossa relação com a linguagem não é simples, nem pobre. É complexa, cheia de riquezas, silêncios, sensações, entendimentos, desentendimentos, enfim, cheia de SENTIDOS.

Já reparou que temos um conjunto de termos para determinadas atividades? Pois é, foi exatamente isso que fez a artista Silvie Mexico recolher testemunhos de diferentes homens e mulheres, para compreender melhor como o orgasmo é percebido e designado, nas suas mais diferentes colorações. É uma pesquisa também sobre sinestesia (quando os sentidos se misturam em algum nível). Por isso o site criado pela artista chama-se Synesthesie-orgasmes.

A ideia do site é buscar quais seriam os melhores termos, analogias, neologismos usados para nomear as diferentes sensações vividas durante o orgasmo. Ao expor seu projeto Silvie exemplifica, segundo sua própria experiência, por quais critérios ela caracteriza o seu orgasmo e descreve sete formas diferentes:

1) Duração: curto, longo, contínuo;
2) intensidade: mais ou menos intenso;
3) linearidade: pode ser perfeitamente linear ou conter muitos saltos e sobressaltos.
4) suas camadas: pode ser simples, ser vaginal, ser anal, seu clitoriano, ser múltiplo (clitoriano e vaginal/ clitoriano e anal/ vaginal e anal/ ou os três de uma vez).
5) sua textura: pode ser mais ou menos doce ou violento. Uma sensação que pode ser associada à uma leve carícia na boca, um fio de água correndo docemente ou ter a violência de uma implosão.
6) sua dimensão: pode ser associado a uma dimensão sonoro ou espacial. Os orgasmos, poderão ser muito preciso e agudo ou estridente, como uma flecha, ou mais expansivo, mais surdo e mais impreciso.
7) seu sabor: pode ser associado a sua cor, e com um exercício comparativo mais elaborado aos gostos. Para a artista, por exemplo, os orgasmos clitorianos tendem mais para o vermelho, a partir do amarelo, e passam pelo laranja e roxo. Já o orgasmo vaginal tende pro violeta, passando para o vermelho. O clitoriano ela associa mais ao vinho vermelho Côtes du Rhône, enquanto o vaginal ao Bordeaux.

A ideia do site é, enfim, descobrir como as pessoas nomeiam essas diferentes formas de olhar e sentir os seus orgasmos. O site é francês, mas você pode tentar contribuir, se quiser, respondendo o questionário da artista.

As minhas perguntas, no entanto, não constam nesse questionário, elas surgem da proposta de Silvie e do modo como ela vê os vários orgasmos. Afinal: quantos orgasmos teríamos que ter tido para chegar a essas sete definições? quem aí já teve um orgasmo triplo: clitoriano, vaginal e anal (que peripécias são necessárias para esse feito?) E, por fim, você já teve um simples orgasmo? se você tem mais orgasmos vermelhos de tons alaranjados isso significa exatamente o quê?

Conselho: Na vida, no dia a dia, estamos condenados a interpretar, sempre. Mas o sem sentido também significa, muitas vezes o sem sentido é até mais intenso e duradouro. Portanto, goze agora, amanhã e depois e sinta, apenas sinta, porque talvez, talvez, orgasmo bom seja aquele que você não consegue nomear, o sem sentido, o …deixa pra lá!

Julia Tenório.

Xplore Paris: festival de sexualidades

Zapeando por aí, descobri que semana passado aconteceu  o “Xplore Paris:  interrogar e reconstruir Eros na cidade”.
Bien! O Xplore é um “festival consagrado às sexualidades criativas”. Na edição de 2013, conta com testemunhos, conferências e performances sobre diferentes aspectos e variantes da sexualidade. De acordo com o site do festival, “os participantes do Xplore desenvolvem técnicas de exploração do corpo que fazem da sexualidade um objeto de estudo e de jogo.
Poxa! quando vamos criar algo semelhante no Brasil? (já tem? me avisa onde e quando acontece, por favor!).
O evento explora o lado lúdico da sexualidade, apresenta seus aspectos estéticos, revela questões espirituais ou simplesmente propõe experiências intensas. Um dos conceitos que permeiam o festival é o de “Erosticratie” [algo como Erostocracia, em português].
Erosticratie é um projeto artístico e político que interroga e constrói “Eros” na cidade, seu objetivo principal é “transcender os gêneros e reunir as comunidades sexuais pelo aspecto pulsante da arte em todas as suas formas”.
No site do festival você poderá conhecer melhor essa ideia, conhecer os projetos artísticos e os vídeos que representam o projeto, como esse aí em baixo ó (está em francês, mas pra bom entendedor o sexo basta…):

O Banhero Selvagem de Pietro Luigi: arte nonsense repleta de significações

No ano passado,  durante uma Barbada Maringá,  eu conheci um artista  extremamente criativo e original. Pedi para ele me contar um pouco de sua vida, suas inspirações e ele, gentilmente, me contou um pouco como funciona sua mente trituradora, focada nos elementos cotidianos.

Ele é o Pietro Luigi e autor da primeira edição de  “Banhero Selvagem”.

Segue o que ele nos contou sobre sua vida e sua arte. Espero que se encantem, como eu me encantei!

Cotidiano e rotina como inspiração!


“Posso te dizer o seguinte, eu me considero um liquidificador. Minha grande inspiração é o cotidiano, essa coisa absurda de uma grande expectativa e no final não acontece nada e é só um dia depois do outro. Uma coisa meio: cara, conheci a mulher da minha vida, ela estava na padaria do lado do escritório, foi a melhor trepada da minha vida, mas eu ainda preciso consertar a pia do banheiro e não sei se quero ser transferido para uma outra repartição. Sabe, essa coisa da rotina simplesmente me fascina, não sei se porque eu sou muito feijão com arroz e daí não consigo me interessar por uma “grande aventura” ou coisa parecida, mas é basicamente isso,  a rotina é minha musa inspiradora.”

Referências artísticas

“É claro que no meu trabalho dá para perceber outras referências, até porque esse negócio de fazer quadrinhos/ tirinhas, é relativamente recente na minha vida. Por volta dos meus quinze anos eu fazia fanzines, só que nessa época a minha produção era mais “literária” por assim dizer. Curtia escrever pequenos contos, frases e entrevistas fantasmas, daí fazia alguma ilustra pra deixar a coisa toda um pouco mais atrativa e divertida. A grande verdade é que eu não me considerava um grande desenhista, por isso escrevia, tão logo me considerava um bom escritor, por isso eu desenhava, e isso dura até hoje, com a diferença de que me sinto mais confiante em relação ao meu desenho.

Enfim, minha proposta sempre foi a de escrever e desenhar  coisas de fácil assimilação e “impactantes”. Durante a universidade comecei a me aprofundar mais no universo das tirinhas, principalmente pela insistência de alguns amigos, e hoje elas representam uma parte muito significativa do meu trabalho.”

Um liquidificador!?

“Mas veja bem, é como eu te disse, eu me considero um liquidificador. Durante todo esse tempo eu consumi e experimentei, e continuo consumindo e experimentando, várias linguagens, traços , temas e formatos.”

Preferências temáticas

No entanto, alguns assuntos sempre me foram caros e se tornaram a minha identidade enquanto artista, que é basicamente uma mistura de humor, sexo, nonsense, surrealismo, propaganda, cultura pop, violência, psicodelia, cotidiano e alguma coisa de crítica, e no final das contas eu me apresento como cartunista, porque daí o cidadão já tem uma ideia da encrenca  em que ele se meteu.

Para conhecer melhor os trabalhos do Luigi, você pode acessar os links abaixo:

Site Oficial

Facebook Banhero Selvagem

Outras entrevistas com ele que circulam na Internet:

contraversão:

Entre a santa e as prostitutas

Por Renée S. , nova colaboradora do Sexocult

Estabilidade, organização, controle. Essas palavras regem a vida da maioria dos indivíduos no seio social, nas mais diversas situações, em áreas que acreditamos ser completamente bem resolvidas. Para alguns, até o sexo, o que se pensa, o que se faz, já está estabelecido, é algo transparente e bem entendido no cotidiano social, ouvimos com frequência, “entre quatro paredes, vale tudo”. Mas, quais os limites para esse “tudo”. Ao nos questionar, podemos nos deparar com situações que colocam em cheque nossas crenças mais profundas e, assim, todo controle que acreditamos possuir torna-se algo imaginário. Essa situação é retratada no filme Elles (Imovision, 2012), da diretora Malgorzata Szumowska. Nessa produção, Anne (Juliette Binoche), jornalista de uma revista francesa de prestígio, se encontra completamente envolvida em uma matéria sobre prostituição estudantil. Para esse trabalho, ela conta com a ajuda de duas estudantes Alicja (Joanna Kulig) e Charlotte (Anais Demoustier) que falam abertamente sobre suas experiências com diversos clientes.

Uma questão bastante enfatizada pelas duas jovens refere-se ao fato de a maioria dos homens que elas atendem serem casados e as procurar para realizar determinadas práticas proibidas de serem feitas com as esposas. Com a convivência e diante das confissões das duas garotas, as crenças de Anne são desestabilizadas, fato que reflete em sua vida e seu relacionamento.

O filme é uma ótima reflexão sobre os limites que nos impomos, sem perceber, na ilusão de sermos livres de qualquer tabu e liberais no que se refere à vida e, principalmente, ao sexo. Trata-se de uma provocação sobre os limites que estabelecemos ao “vale tudo” e, podemos acrescentar ainda, sobre até que ponto superamos a metáfora “a santa e a prostituta” relacionada à imagem da mulher em sociedade.

Elles: França/ Polônia/ Alemanha, 2011 – 110 min.
Direção: Malgorzata Szumowska
Roteiro: Malgorzata Szumowska, Tine Byrckel
Elenco: Juliette Binoche, Anaïs Demoustier, Joanna Kulig, Louis-Do de Lencquesaing, Krystyna Janda, Andrzej Chyra, Ali Marhyar, Jean-Marie Binoche, François Civil, Pablo Beugnet

Ode à musa Clitóris

Para não dizer que não falei mais sobre música e sexualidade:
“Façamos então a nossa Ode à musa,
à parte mais essencial e mais íntima,
aquela que é o nosso alvo primeiro, e básico, e instinto
a nossa música à musa Clitóris.” (Titãs)

Papa, "o amor nasceu homossexual!" e "existe amor em Maringá!"

Li por aí que movimentos radicais, reacionários e, acima de tudo homofóbicos têm se preocupado em marchar contra a comunidade homossexual. Tudo isso com a, bem-vinda, ajuda do Papa Bento XVI, que declarou por esses dias que “o casamento homossexual ameaça o futuro da humanidade” e, também condenou a adoção de crianças por homossexuais (é mais cristão deixar morrer na rua).

Não faltou também uma inesperada mobilização de franceses, que conseguiram reunir 800 mil pessoas para impedir que um projeto sobre a união homossexual fosse votado na França!

Aqui mesmo no Paraná, mais especificamente em Curitiba e Maringá (que não poderiam ficar atrás da França socialista), tivemos manifestações de grupos da TFP (a sigla já diz tudo!), com direito a “posteriores” agressões físicas.

Os episódios recentes me fizeram pensar em qual seria o problema das pessoas que aderem a tais “bandeiras”. Que tipo de “vontade” move pessoas, ainda hoje,  a ver na homossexualidade algum tipo de ameaça? Não consegui chegar a nenhuma conclusão clara, lógico.

Hoje, lendo aleatoriamente trechos de um livro velho, comprado num sebo há alguns anos, me deparei com o seguinte texto, que julguei muito oportuno para uma reflexão sobre o que estamos vivenciando. O texto é  de 1975, mas parece tão infelizmente atual !!!
O Amor Simétrico

(…)

Mesmo depois que o condicionamento social nos castrou a imaginação, nós adivinhamos confusamente que ganharíamos se nascêssemos num mundo evolutivo, onde seríamos sexuados de maneira provisória, flexível, facultativa. A aptidão que nós teríamos em migrar de um sexo a outro aumentaria nossa utilidade ao mesmo tempo que o nosso prazer.

Alguns entre nós sentem com mais acuidade do que os outros a falta que é cometida por uma civilização que nega tais direitos de opção e de troca. Seu protesto não é fantástico, porque a manifestação da consciência deu aos humanos o poder de realizar feitos poéticos, que o conservadorismo da matéria, entregue à ela mesma, lhes teria privado. São as coletividades sociais que editando normas retardadoras, estabeleceram um novo fixismo.

Paradoxalmente, os desviados se tornaram então objetos de escândalo, eles que haviam criado a espécie! Hoje em dia ainda, a mediocridade dominante teme acima de tudo a exceção que diferencia o comportamento dos homens, os torna menos disciplinados e menos cinzentos. A autoridade coloca os indivíduos suspeitos de uma diferença fora da situação de contribuir aos costumes a vir, isto é, em suma, os impede de realizar as funções de mutação que lhes conferem um interesse.

Da resistência a esta pressão depende a nossa originalidade entre os outros animais deste planeta. Assim, ao mesmo título de todos os dissidentes que recusam uma ordem redutora e uma banalidade imposta, o homossexualismo preserva as chances de aparecimento de uma “nova consciência”. Ele representa – sem que seus mensageiros o saibam, muitas vezes – uma amostra das liberdades ainda inconcebíveis para a grande maioria, uma experiência de autodeterminação efervescente e prematura neste mundo em que as estruturas nos predestinam e cujo destino nos escapa.

O amor, o amor ele mesmo, esta perspicaz e recente esperança de encontrar um semelhante além dos hábitos que separam os seres, é uma invenção de rebeldes. A passagem da sexualidade bestial à sexualidade abstrata, que nós designamos com o nome de amor, não pôde em nenhum lugar se realizar no respeito dos instintos e das práticas majoritárias. O amor nasceu homossexual. (…)

(…) Soberanamente desprovido das obrigações costumeiras, de sogros e de fé jurada, sem garantia nenhuma, travestido, maldito, queimado, cercado de solidão, o homossexualismo não é um bom negócio para um pai de família. A maioria continuará preferindo ainda a falta de curiosidade pretensiosa, as falsas privações, a prudência, a eternidade.  (…)

ARSAN, Emmanuelle. A Hipótese de Eros, 1975.  p. 112
Tradução:  Clarice Lispector

Se, como defende a autora do texto citado, a resistência a tais movimentos depende da criatividade daqueles que não aceitam a moral da velha consciência, podemos afirmar que –  pelo menos em Maringá – existe amor e  a “revolta homofóbica”  teve uma resposta da comunidade LGBT, que organizou o “Beijaço”, protesto criativamente ilustrado na arte da maringaense Elisa Riemer.


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