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Ano novo, vagina de 33 metros e “tretas” de redes sociais

É o primeiro dia do ano de 2021 e eu, blogueira de outro mundo, resolvi voltar para escrever sobre o que leio e vejo sobre sexo, sexualidade e cultura na rede.

Depois de muitos anos, é hora de voltar a blogar!
“Sério, mas como assim? O blog não morreu?”

Meus amores, muita gente e muita coisa morreu, principalmente em 2020, mas em 2021 teremos que superar todos os diagnósticos de mortes anunciadas. Aliás, pelo que pude perceber lendo as primeiras “notícias” do ano, chegamos em 2021 com os mesmos velhos e antigos preconceitos e ignorâncias sobre sexo e cultura, isso aqui está uma grande confusão sobre mais uma pá de coisas que reviram a cabeça e o coração dos comentadores de redes sociais. Vide o “debate” sobre a obra Land art, intitulada Diva, da artista visual Juliana Notari.

Longe de mim querer tomar parte na treta, o que me interessa são as muitas leituras que a obra de arte provocou após a postagem feita pela própria artista em seu instagram.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

Quando vemos o debate em torno de sua postagem, quais são os efeitos dessa publicação? O que muda? Eu diria que muda tudo, porque aí entra n´importe quoi! É tudo e é nada ao mesmo tempo! E esse é um efeito das tretas militantes nas redes sociais.

Um rápido rolê pelos comentários e veremos que eles oscilam entre pseudos críticas de arte, julgamentos pessoais sobre a artista, ofensas, achismos, mas também apontam para problematizações que dão continuidade a vários outros “diálogos” já em andamento. Cada um deles vai estabelecer destinos vários para os efeitos de sentidos que aparecem ora como “treta” ora como “cancelamentos”.  Nesse caso específico, embora muitos tomem uma coisa pela outra, não se trata de um tour solitário pela Usina de Arte e o impacto que teria se fosse uma visita in loco. Isso parece óbvio, mas acreditem, não é. Do mesmo modo, os comentários sobre a obra no Instagram produzem efeitos muito diferentes daqueles que circulam no Twitter.

Quando falamos de comentários sobre obras de arte nas redes sociais não podemos esquecer que aqui se trata muito mais de um “diálogo” dos usuários (que nesse caso é muito mais sobre como as pessoas se posicionam diante da postagem da artista) do que um debate sobre a proposta artística em si. É porque esquecemos disso que começa a “confusão” e nascem 90% das “tretas”.

Vejamos como é fácil localizar algumas dessas outras tretas já lá nas redes sociais, retomando o caso de alguns tweets. De um lado, encontramos comentários que vêem a obra como um “culto da vagina”, como podemos observar pelo tweet de @oldlaace, que escreveu Eu gostaria de entender o que ela quis representar. Porque mulher não é e nunca foi uma vagina. Uma pena nos compararmos ao falocentrismo masculino”. Ou no tweet de @arielfhitz: “A MULHER FEZ UMA BUCETA GIGANTE COMO ARTE FEMINISTA VAI SE FUDEKKKKKKKKKKKKK BAGULHO GENITALISTA DA PORRA”.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

De outro lado, temos outra treta em andamento nessa “conversa global” do Twitter, que remete (e às vezes confunde pra caramba) para pautas sobre racismo e negritude. Ela aparece aqui em tweets como o de @arielfhitz, que também comentou sobre isso dizendo, meu deus pq elas não cansam de fazer buceta como arte como se isso fosse o auge da representação feminina além de que nem chamou mulher pra fazer o bagulho??? TIPO”. Ou, ainda, no tweet de @andrezadelgado que, em resposta ao post de @arielfhitz, escreve que “O mais doido disso é a mão de obra masculina e negra para obra de arte! Minha indicação é uma leitura de raça e classe da Ângela Davis que ela vai da o diagnóstico desse tipo de “”feminismo””.

Fonte da imagem: Instagram de @juliana_notari

Não faltou, claro, opinião sobre o meio ambiente, já que a proposta da artista era “problematizar a relação entre natureza e cultura”. Em resposta à postagem de @arielfhtiz, também encontramos o seguinte tweet, de @TheOngoingFlop, chamando a atenção para a questão ambiental ao dizer que “O geógrafo q mora em mim só consegue pensar q ela criou uma voçoroca q vai degradar todo o solo daquela face do morro onde a bct tá… além das problematizações já feitas, consciência ambiental tbm passou longe”, ou de @aluizaalana que escreve: Fiquei curiosa pra ver os projetos da estrutura e da movimentação de terra desse trem, tem um engenheiro responsável né…”

Se querem saber de que lado EU fico nessas tretas todas, já vou logo dizendo que o meu objetivo nunca foi virar “influenciadora” de nada. Como boa problematizadora que sempre preferi ser, eu fico mesmo do lado das tretas.  E sabe quando vamos sair dessa enorme e estranha espiral que tem o efeito de tretas infinitas? Vai demorar, eu acho! Sabe por quê? Porque ao contrário do que prega o senso comum não são apenas tretas, nem apenas mimimi, nem diálogos de fadas sensatas, muito menos pura comunicação. No meio disso tudo temos disputas, lutas, discursos contraditórios, algoritmos, manipulações do cotidiano e muito coisa que empata nossas fodas.

É isso aí, bebês, a coisa é muito mais paradoxal do que os sentidos possíveis para essa land art de super vagina que agita as tretas no momento!

Todas essas leituras sobre sexo e sexualidade, sobre arte e cultura são complexas e exigem de nós muito mais que escolher o “nosso” lado da treta, exigem de nós muito mais que retweets, exigem de nós muito mais que repetições de argumentos. Exigem interpretação, exigem compreensão dessas diversas e heterogêneas posições. Feministas, machistas, transexuais, homofóbicos, vaginofóbicos, falocentrismos, feminazis, ambientalistas…

Confesso que em 2014 eu parei de blogar porque na época eu notei que cresciam os movimentos militantes e que era preciso rever meus posicionamentos. Eu os achava ruins? Muito pelo contrário! Eu vi que o mundo do sexo e da sexualidade estava mudando e achei prudente não entrar naquela “ordem arriscada dos discursos”, principalmente quando se tratava de sexo, sexualidade e cultura. Era receio de acabar, por incompreensão do que tava rolando, fazendo o contrário do que era meu propósito, já que eu começava a entender que muitas vezes eu estava reforçando pré-conceitos sobre o mundo do sexo e da pornografia e que era preciso entender melhor o que se anunciava com toda a sua veia contestatória e críticas sobre a indústria pornô e sua face opressora. Eu, uma mulher cis, branca, hétero, do universo acadêmico, tinha muito a aprender antes de continuar a falar.

Confesso também que tinha algo do pertencimento, aquele apego a uma certa blogosfera erótica que era famosinha e da qual esse blog fez parte. A blogosfera que viu nascer o assédio dos “recebidos”, que foi engolida pelos vlogers, influencers e etc… afinal era preciso aceitar entrar na ordem daquele mundo que parecia muito chato e broxante, que exigia que tudo girasse em torno de hashtags e polêmicas de redes sociais, essa coisa mercadológica que pedia que saíssemos de nosso anonimato, que tapássemos nossas bundas para melhor verem nossas caras. Coisa de gente que não trepa, coisa de gente que não lê, gente cansativa e tediosa! A “minha blogosfera sumiu”, foi o tema do post anterior a este, escrito em 2014, aliás. Muito justo, mas muito inútil também, estrategicamente falando.

Mas entendo hoje que 2021 vai exigir dos sobreviventes novos e velhos sujeitos falando de sexo, sexualidade e cultura. Sujeitos (re)nascidos dos últimos 10 anos de debate sobre tudo na Internet, sujeitos que agora têm que lidar com o que a internet se tornou quando nós abandonamos a blogosfera diversa e ativa, dona de seus próprios domínios e redes de seguidores.

É para defender a imprecisão e a complexidade das coisas para além das “tretas” que eu, como diz a gloriosa blogueirinha do fim do mundo,  “Volteiiii!”, porque o Brasil, a blogosfera heterogênea e livre (apagada pelas redes sociais proprietárias e suas bolhas digitais), a superficialidade dos muitos perfis e sites sobre sexo, cultura, sexualidade e pornografia, vão precisar de mais zilhões de “blogueirinhas do fim do mundo!”

E, se o nosso mundo vai acabar enquanto a gente “treta” nas redes sociais e faz dancinha em tik toks e reels, que assim seja! Mas eu, tendo atravessado diferentes momentos históricos na blogosfera (clique aqui para ler o primeiro post deste blog), aposto que todas essas coisas acabam muito antes. É também uma forma de crença naquele conceito antigo de que a terra não é plana e, por isso, ela dá voltas!

Por isso, a partir de hoje, volto a assumir o perfil da Júlia Tenório, uma blogueira de sexo mais ou menos inventada, que vai escrever e falar sobre seu modo de ler telas/espelhos/perfis e refletir sobre tabus, hipocrisias e contradições entre sexo(s), sexualidade(s) e cultura(s).

Navegar é preciso, tretar não é preciso, trepar e sobreviver em 2021 será fundamental!

Bem-vindo de volta, se você é leitor das antigas.

Bem-vindo, se você acabou de chegar!

Prometo um post por semana (ou menos, ou mais, ou não).

Referências:
#03 O blog realmente morreu? | com Jana Rosa (O podcast com Paulo Cuenca e Dani Noce)

2020: O fim do Blog (Artigo de Henrique Carvalho, do Viver de Blog)

Diva (Postagem de Juliana Notari, Instagram)

A ordem do discurso (Michel Foucault)

Blogueirinha do fim do mundo (Maria Bopp)

Costumes Literatura

Confidências da Carne

Por indicação de uma amiga, companheira nos caminhos teóricos da Análise de Discurso, comprei o livro “Confidências da Carne: o público e o privado na enunciação da sexualidade“, do autor Pedro de Souza*. Sei que o blog não é acadêmico, mas é uma obra que vale a pena circular na internet, por sua referência à sexualidade.

O livro é fruto de pesquisa acadêmica, em que o autor buscou examinar, discursivamente, o problema da constituição e expressão da subjetividade na história do movimento homossexual na década de 1980.

Em sua investigação o autor analisa as cartas pessoais enviadas ao SOMOS – Grupo de afirmação Homossexual, e, segundo o próprio autor, o objetivo central da palavra é “tomar  essas formas de falar de si como perspectivas em que embrenham as palavras num jogo de subversão e captura em dado contexto de produção de sentidos.”

O material analisado não é novo. O livro também não, foi publicado 1997, pela editora da Universidade Estadual de Campinas. Mas as análises, mesmo com as especificidades da escrita acadêmica com suas inúmeras exigências, são ótima fonte de reflexão sobre a subjetividade dos sujeitos homossexuais, como se fosse possível compreender, minimamente, o modo como o sujeito homossexual se relaciona com a sociedade, com a história e, sobretudo, como ele encontra, nas cartas analisadas, formas de resistência.

Análises consistentes, com recorrência aos trabalhos de Michel Foucault na área da sexualidade, citações marcantes, o autor mobiliza o complexo universo homossexual na sua relação com o poder, com a interdição, com a exposição e o silenciamento,  como nessa passagem em que Souza se reporta, já no capítulo de conclusão, à pesquisa realizada por Foucault em seu trabalho “La vie des hommes infâmes” :

(…) Foucault pretendeu, ao mesmo tempo, analisar as relações entre o poder, na sua forma política, e o discurso, e trazer ao âmbito da história a vida anônima e insignificante daqueles que, na perspectiva discursiva do poder, se tornaram infames por seus pequenos delitos cotidianos. Vê-se logo que se trata de relatos em que as exigências individuais só vêm à tona na fala de outros que denunciam suas infrações. É portanto através de discurso alheio que tais vidas podem ocupar o turno da fala, sob o crivo do poder institucional que lhes outorga sentido. Vale mais explicitar este aspecto fundamental na explanação do próprio autor.

Momento importante, aquele em que uma sociedade atribui palavras, maneirismos e grandes frases rituais de linguagem, à massa anônima do povo para que possa falar de si mesmo – falar publicamente e sob a tripla condição de esse discurso ser dirigido e posto a circular no interior de um dispositivo de poder bem definido, de fazer aparecer o fundo até então quase imperceptível das existências e de, a partir dessa guerra ínfima das paixões e dos interesses, dar ao poder a possibilidade de uma intervenção soberana. (Michel Foucault, 1977 – “La vie des hommes infâmes)

O livro é uma leitura possível a todos – mesmo aos que não tem afinidade com os pressupostos teóricos da análise de discurso francesa, que sustentam a pesquisa que gerou o livro – principalmente aos que desejam compreender um pouco mais o universo ainda hoje silenciado da homossexualidade.
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* Pedro de Souza é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e, estará em Maringá-PR, durante a 2º JIED – Jornada de Estudos do Discurso, onde participará da mesa redonda intitulada “O Corpo como materialidade discursiva”, que ocorrerá em 29/03/2012, na Universidade Estadual de Maringá.
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